quarta-feira, 13 de julho de 2011

AMIGOS

Era a última consulta da manhã. A mulher aguardava ansiosamente pela sua vez na perspectiva de saber o resultado da biopsia. Seria uma sentença de vida ou de morte. Da certeza de poder viver mais uns anos ou de uma morte anunciada para daí a pouco.

Quando saiu do consultório, já não havia lugar para a esperança: alguns meses de vida, talvez um ano. Quisera vir sozinha, sentia-se forte para receber a notícia fosse ela qual fosse. Se fosse uma notícia de vida teria tempo para festejar com os amigos. No caso contrário não queria testemunhas do seu desalento. Até porque não sabia como iria reagir: iria chorar, gritar, revoltar-se, vomitar…?

Mas ficou incrédula, como se não lhe dissesse respeito o que a médica ia explicando, cheia de cautelas, deixando escapar fiapos de esperança de uma morte serena. E depois havia sempre milagres, não era? Até conhecia um caso de um doente….

Nessa noite, passado o primeiro estupor, sem conseguir ainda chorar, telefonou à pessoa com quem há muitos anos partilhava dores e alegrias. “Vou já para aí”, ouviu do outro lado do telefone. “Não, espera. Já é tarde… “ “Nem penses. Temos muito que conversar. Até já” E o telefone fez clic.

A presença da amiga desencadeou uma tempestade e pela primeira vez desde essa manhã a mulher chorou copiosamente. Depois sentaram-se no sofá e a mulher desabafou toda a sua amargura e angústia represada durante as últimas semanas desde que soubera que era provavelmente uma condenada à morte. A amiga ouvia. Ouvia sem interromper. Até que o cansaço trouxe alguma calma à mulher. Depois naturalmente começaram a recordar. E até houve momentos para sorrir. “Queres que durma cá?” “Não é preciso. Já estou calma e acho que vou conseguir dormir”. “Então amanhã encontramo-nos. Certo?”

Nos dias seguintes outras amigas foram telefonando, marcando encontros e aos poucos uma teia fraterna foi-a envolvendo, aconchegando-a, abrandando a dor, aliviando-a do medo. Meses passaram. E quando se despediu da vida e teve de partir sozinha tinha os amigos a dizer-lhe adeus. Não podemos ir contigo, mas a tua recordação vai ficar connosco, o teu rosto há-de visitar-nos, a tua presença não vai desaparecer.

A mulher sorria tenuamente. Talvez o último sorriso.” Sabia que as palavras e gestos amigos são um afago carinhoso quando estamos felizes, mas a minha doença e a minha morte mostraram-me que a amizade é também um véu de doçura que nos aconchega no sofrimento. Obrigada.”